Wednesday, May 09, 2007

Trinta moedas verdes

Diário Catarinense ; Amilcar Neves ; 9/5/2007

Um corpo estendido na República Argentina. Quinze metros antes, uma motocicleta com a parte de trás destruída. Ao lado do corpo, um capacete quebrado nas laterais. Entre o corpo e a moto, a linha reta, em relevo no asfalto, de uma substância esponjosa, esbranquiçada e, ao mesmo tempo, rosada. Muita gente em volta, câmaras fotográficas, a televisão. Diversos carros da Polícia, inúmeros policiais de um lado para outro.

Também chamada laconicamente de República, a avenida é uma das principais da capital paranaense. Passa pela Água Verde e entra pelo Portão adentro. No cruzamento, um ônibus e uma moto. Alguém furou o sinal. Uma conversa ao celular: "Inteiro da boca para baixo. Do resto, só ficaram os ossos de cima e de trás da cabeça, uma casquinha apenas." Cena deprimente e chocante, de estragar a manhã, o dia, a semana, o mês...

No dia seguinte, 300 quilômetros ao Sul, estoura na capital catarinense a Operação Moeda Verde, da Polícia Federal. Não houve surpresa alguma nas denúncias tornadas públicas, que serviram de base para 22 mandados de prisão, 19 dos quais cumpridos em 3 de maio: empresários ligados a grandes empreendimentos, secretários municipais, vereadores, um dirigente estadual, funcionários públicos. Há anos se vinham acumulando conversas sobre práticas criminosas cometidas contra o meio ambiente da Ilha de Santa Catarina em nome do turismo, da geração de empregos, do desenvolvimento econômico - e da ganância sem fim.

Amigos do Poder foram parar na carceragem da Polícia Federal e, por falta de espaço, no Presídio Masculino de Florianópolis. O governador do Estado tachou a operação da PF de "pirotecnia federal". O prefeito da cidade supõe que "houve um certo estardalhaço, um exagero" nas prisões. Este, pelo menos, afastou de suas funções, de imediato, todos os servidores municipais envolvidos, sejam eles de carreira ou ocupantes de cargos de confiança. Por conveniente, esquecem ambos, no entanto, que a Moeda Verde está respaldada em decisões do juiz da Vara Federal Ambiental de Florianópolis, o catarinense Zenildo Bodnar, unanimemente considerado uma pessoa sensata, ponderada e estudiosa dos assuntos do meio ambiente.

A coisa, no entanto, não pára por aí. Segundo a coordenadora da Operação, delegada Julia Vergara (28 anos de idade), as investigações "tiveram de ser interrompidas para a prisão dos suspeitos, caso contrário não seriam encerradas tão cedo". Pior ainda é o diagnóstico de parte dos 170 policiais federais que participaram da Operação, vindos de outros estados:

- Comparado ao trabalho que realizamos em capitais como o Rio de Janeiro e São Paulo, é preocupante o índice de corrupção que pudemos constatar em Florianópolis.

A Ilha foi traída. Por 30 moedas, verdes todas elas, jogou-se fora, hoje como sempre, seu futuro de possibilidades ímpares com a proteção da sua arquitetura, sua história, sua cultura, seu porto, seu mar com o Miramar junto ao Centro. Jogou-se fora seu futuro mantendo ruas ridiculamente estreitas em bairros nos quais, sem o menor pudor, autorizam-se espigões com dezenas de apartamentos, centenas de carros, milhares de litros de esgoto.

Em oposição ao motoqueiro de Curitiba, a gente da Ilha, traída de forma tão deprimente e chocante pelos seus representantes (houve época em que vereador não tinha salário nem vantagens financeiras, razão pela qual só idealistas se interessavam pela função), ainda tem cérebro e consciência. Por isso colocou, na sede da PF, na quinta-feira, um aplaudidíssimo cartaz dizendo, simplesmente, "Obrigado, Polícia Federal, os cidadãos de bem agradecem".

1 Comments:

Blogger Ana Corina said...

oie! botei teus blogs no meu! eles estão citados no post de hoje e ficam permanentes na seção onde recomendo outros sites. dá uma olhada! e parabéns. abraço.

7:01 PM  

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