A Notícia ; Daniel Cardoso ; 26/11/2006
Depois de trabalhar por 33 anos na Polícia Federal, o delegado Ildo Rosa foi destacado para assumir a Secretaria de Defesa do Cidadão e o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf). No Ipuf, se deparou com dois esquemas de corrupção. Um agia na Zona Azul, que desviava recursos financeiros, e outro na Controladoria de Infrações, onde multas eram "perdoadas" irregularmente.
Quando assumiu o cargo, em junho, a Prefeitura arrecadava cerca de R$ 320 mil mensais com multas de trânsito. Hoje o valor está em mais de R$ 1 milhão. Na Zona Azul, a arrecadação variava de R$ 7 mil a R$ 14 mil por dia. Agora permanece estável.
A Polícia Civil abriu inquérito para investigar o caso da Zona Azul. Ouviu funcionários para esclarecer o funcionamento do esquema e também os três gerentes suspeitos de se beneficiar com dinheiro público. Todos os três negaram o desvio de recursos. Quem cuida das investigações é o delegado Acioni Souza Filho, que entrega as conclusões amanhã. E adiantou que vai indiciar três pessoas, sem revelar as identidades.
A polícia ainda não investiga o caso da Controladoria da Infrações. Por enquanto, o esquema está sendo mapeado internamente no Ipuf.
O diretor-geral Ildo Rosa explicou que irá emitir novas notificações de multas que foram baixadas do sistema recentemente. O objetivo é checar as justificativas usadas nos recursos e por meio de quem os motoristas conseguiram abonar as notificações. Na entrevista da página 5, o delegado e secretário desmembra como funcionava o esquema.
Levanta a hipótese da corrupção possuir tentáculos fora da Prefeitura e admite que o prefeito Dário Berger (PSDB) já imaginava que algo estava errado no instituto. Ildo Rosa afastou um gerente e demitiu outros dois que ocupavam cargos comissionados. Além disso, afastou 11 funcionários terceirizados que trabalhavam na controladoria. "Sou contra terceirização. Sou favorável a profissionalização dos serviços".
Como funcionava
· Zona Azul
Além dos carnês oficiais da Zona Azul, os agentes de trânsito também tinham que trabalhar com os "carnês ruins". Eles eram diferentes dos comuns e o dinheiro da venda não era contabilizado no Ipuf: ia direto para três gerentes do instituto.
· Controladoria de Infração
Mais de duas mil multas por mês eram justificadas e baixadas do sistema sem o devido pagamento. O procedimento era feito com a distribuição da senha master entre vários funcionários. Eles entravam no sistema e deletavam a infração. Ainda não se sabe quem fazia a ponte entre os motoristas multados e o Ipuf. Sabe-se apenas que a ação era realizada quando o motorista recebia a notificação de autuação - competência do Ipuf - e antes do auto de infração, quando os recursos não competem mais à autarquia.
Provas e Evidências
· Zona Azul
Depois que os "carnês ruins" foram abolidos, a arrecadação com o estacionamento deixou de sofrer grandes variações. Em alguns dias, chegava a 50%. Também há um documento da empresa Master's Print - que imprime os carnês - afirmando de que nunca emitiu os "carnês ruins". O delegado da Polícia Civil Acioni Souza Filho ainda cita a prova que está em mão da perícia: cartelas falsificadas.
· Controladoria de Infrações
Sem provas documentais, a principal evidência recai sobre o aumento da arrecadação. Quando o esquema foi descoberto, o Ipuf arrecadava com as multas pouco mais de R$ 300 mil por mês. Em outubro, o valor passou de R$ 1 milhão. Outra evidência é a "romaria" de pessoas para justificar as multas. Segundo Ildo Rosa, a demanda caiu logo após a intervenção.
Investigação
· Zona Azul
A Polícia Civil abriu inquérito para investigar o caso e baseou as conclusões em testemunhos e provas documentais. O inquérito será entregue amanhã, quando três pessoas serão indiciadas. A polícia não quis revelar as identidades.
· Controladoria de Infrações
Como será difícil levantar provas documentais, a investigação interna do Ipuf vai se concentrar nas testemunhas. O próximo passo é analisar as justificativas recentes de multas e emitir novas notificações de autuação para conferir os argumentos utilizados. Depois de finalizada, será elaborado um relatório que vai para a da Polícia Civil. Ainda não há previsão de conclusão dos trabalhos internos.
"É um sistema que estava ali. Por quanto tempo?
Segundo se comenta, esses procedimentos teriam sido implantados em setembro do ano passado."
AN Capital - O que ocorreu na Zona Azul e como o esquema foi descoberto?
Ildo Rosa - As duas intervenções, na Zona Azul e Coordenação de Infrações, vieram realmente por algo que é básico: as receitas de custeio eram muito próximas do valor arrecadado. Se mantida aquela tendência, nós inviabilizaríamos o próprio sistema. A Prefeitura não tem previsão orçamentária nem recursos para manter a Zona Azul.
ANC - O senhor está falando da variação de R$ 7 mil a R$ 14 mil?
Ildo - Não, ainda sobre os gastos e despesas. Nós nos debruçamos na contabilidade e percebemos que as variações ficavam em torno de R$ 230 mil a R$ 270 mil por mês. Mas a variação aparecia em dias que a arrecadação caía de forma inexplicável. Era de R$ 12 mil a R$ 14 mil por dia e caía para R$ 7 mil. E não era final de semana nem feriado. Nos preocupamos com isso e, então, ouvimos um comentário dos funcionários de que eles trabalhavam com os chamados "carnês ruins".
ANC - O que é o "carnê ruim"?
Ildo - É um carnê diferenciado do nosso. Fizemos uma vistoria na pochete dos agentes de trânsito atrás destes carnês. Encontramos em duas delas. Seguimos a trilha e achamos um comprovante que dizia que os carnês eram adquiridos legalmente, com nota. O que mostra total boa fé dos agentes de trânsito. Então chamei as caixas, já que eram elas que entregavam os carnês. E me disseram: "Dr. a gente esperava que o senhor nos chamasse. A gente realmente tinha dois tipos de carnês. Um era contabilizado pelo Ipuf e o outro era caixa 2. Entregue ao gerente". Então, qual é a dúvida? Nenhuma.
ANC - Elas usaram o termo "caixa 2"?
Ildo - Sim, falaram tranqüilamente. Havia uma contabilidade do Ipuf e uma folha onde era contabilizado o carnê ruim. Eles alegaram que esse carnê ruim era para manutenção administrativa da Zona Azul.
ANC - Quem eram os gerentes?
Ildo - Eram três. O gerente nomeado pelo Ipuf, Arilto Xavier, que é efetivo; a Jaqueline Assis, gerente operacional, e o Osmar Santos, gerente administrativo. Os três foram afastados.
ANC - Que documentos vocês têm que provam a fraude?
Ildo - Temos um boletim de arrombamento que, segundo registro da Polícia Civil, teria sido subtraído R$ 21,5 mil em dinheiro da Zona Azul . Não teria como ter esse valor. Fizemos um levantamento de que o valor arrecadado até o meio-dia já havia sido depositado no banco. A única coisa que estava em caixa era o valor da parte da tarde. Em torno de R$ 4,5 mil. Mas, segundo declaração dos caixas, havia toda uma gama de vales que eram retirados pelos gerentes. Aí, aproveitaram o arrombamento e retiraram todos os vales e remeteram como sendo o valor que tinha sido subtraído. Tenho o registro assinado pela Jaqueline e pelo Arilto.
ANC - A responsabilidade, por enquanto, recai sobre estas pessoas?
Ildo - Não vejo de outra forma. Agora, é um sistema que estava ali. Por quanto tempo? Segundo se comenta, esses procedimentos teriam sido implantados em setembro do ano passado. Mas isso não se sabe.
ANC - Quando o prefeito Dário Berger (PSDB) convidou o senhor para o Ipuf, ele já imaginava que existia alguma irregularidade?
Ildo - Disse que tinha algumas questões fortes. Agora, para dizer a verdade, o caso da coordenadoria é de maior envergadura e o caso que talvez demonstrasse maior preocupação por parte do prefeito. Ele não me falou de uma situação concreta, mas me instigou a organizar as bases.
ANC - Como o caso das multas foi descoberto?
Ildo - O Arilto era gerente da coordenadoria. Então, porque eu confiaria nele?. Fizemos intervenção lá também e afastamos ele. Na primeira semana, era uma romaria para abonar as multas. Soubemos que outros funcionários tinham a senha master e afastamos todos os 11. Afinal, quem tem a senha master não pode compartilhar com ninguém, porque permite que se abra o sistema e se excluam os valores.
ANC- As multas são do quê?
Ildo - A maioria de fotossensores. Depois de flagrado, vem primeiro a notificação de autuação, que dá prazo para a defesa. Em seguida, vem o auto de infração. No esquema, eles trabalhavam na primeira fase. Eram funcionários sem competência para fazer o que faziam. Só se interfere em ocasiões especialíssimas. Não daquele jeito. O sistema eletrônico não pode errar tanto. Não dá para chegar no fim do mês e justificar 2,4 mil infrações.
ANC - Como duas mil pessoas por mês sabiam do esquema? Deve ter mais gente envolvida.
Ildo - Claro, mas ainda não se sabe como. Levanta-se a possibilidade de um esquema grande. O que nós vamos fazer? Vamos checar os processos recentes com justificativa e vamos lavrar uma nova infração. Aí, a pessoa vem nos procurar e vamos saber o que aconteceu.
ANC - Como está a controladoria agora?
Ildo - Hoje não existe mais aquela romaria diária para tirar multa. Só duas pessoas podem ter a senha. O gerente do sistema viário e o guarda municipal que eu designei como interventor.
ANC - Quando pediu demissão em conjunto com outros três secretários em outubro, o senhor reclamou da falta de autonomia e também cogitou-se pressão de apadrinhados políticos. Essa versão é verdadeira?
Ildo - Eu fui o único que expliquei porque coloquei o cargo à disposição. Disse claramente que o meu compromisso é de gestão e a forma como estava vivenciando não dava para fazer nada. O Ipuf é uma autarquia e, por isso, deveria ter autonomia financeira e administrativa. Aliás, é a única do município. Eu preciso de uma autonomia que me permita agir em compatibilidade com a minha responsabilidade.
ANC - A pressão dos apadrinhados reduziu?
Ildo - Eu não tenho mais problema com pressão de ninguém. Ninguém perde tempo. Até porque, além de não conseguir nada, acaba arrumando um inimigo a mais. E o fato de eu ir para a imprensa e falar, como eu falei, fez com que muitas pessoas pensassem duas vezes.
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